quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A mãe, a criança, a praça, o louco, os livros

Drummond (Foto: páginadoenock)



Dizem que toda crônica deve ser produzida para ser publicada em jornais ou revistas. Esta nem sei se será publicada. Melhor: não sei se a concluirei. Há dias tento escrever uma e o assunto não me aflora. Perdi a sensibilidade? Claro que não! Na verdade, parece que perdi a capacidade de me expressar e sei que não guardo a criatividade de um Drummond, um Sabino, um Rubem Braga, um Paulo Mendes Campos.


Mas tenho de escrever. Tal ofício é o meu alimento, como o são o arroz, o feijão, a carne, os livros. Os meus livros, eternos companheiros, inseparáveis amigos nas noites insones, de estudo e meditação. Em meu pequeno estúdio, de quatro por quatro, solitário, paro, levanto os olhos e os vislumbro. Alguns, já velhinhos, me falam muito: “pega-me, folheia-me, amassa-me, entende a minha alma, busca em mim o que não encontras no mundo. Ou será que o mundo está aqui, em meio a estas folhas rotas, amareladas pelo tempo?”.
Poeta baiano Castro Alves
Avisto Castro Alves. Ele me convida ao convívio amadurecido com os livros: “o livro caindo n’alma/ É germe – que faz a palma,/ é chuva – que faz o mar”. Que beleza de sentido! Que conclamação mais convincente! E por que só o Poeta dos Escravos se há, nas estantes, Da Costa e Silva, Martins Napoleão, Francisco Miguel de Moura, Elmar Carvalho, Vitor de Andrade Aguiar, H. Dobal, Teodoro de Carvalho e Silva Castelo Branco, Hermínio Castelo Branco e tantos outros ilustres piauienses?

Poeta piauiense Da Costa e Silva
A eles faço reverência com renovada alegria. E por que falar só nos poetas se, na realidade, me interessa agora escrever uma crônica? É que a poesia, aliada à música, compõe os melhores momentos de nossas vidas. Não é necessário escrever um poema para sentir o pulsar permanente da existência. A poesia está no sorriso de uma criança, no beijo da mãe, no afago do pai, no adeus dos enamorados, no abraço da tarde, como esta tarde em que um louco me interpela: “papai, me dá um cigarro. Você parece um major”.

Ora, major, se nem sentei praça! E ele se deleita com o pequeno cartucho branco, morrendo aos poucos, sem notar que muitos perambulam pelas ruas, loucos de pedra, doidos de amor, inebriados de sonhos. 

Ali do seu lado, como a “espiar uma culpa tremenda”, pobre mãe acalenta o bebê. Vem de onde e para onde vai mãe tão cuidadosa, tão triste, tão bela, tão forte no seu caminhar? O jovem louco, após desfiar algumas palavras e soltá-las ao vento, vê, com carinho, a criancinha que chora, mimada pela mãe; joga fora o cigarro e toma o bebê. A pobre mãe, num gesto aliviado, pega o naco de cigarro, leva-o à boca, com calma, e conduz aos pulmões a droga civilizada.
Salão do Livro do Piauí (Foto: UFPI)
No mesmo instante, dezenas de pessoas transitam pela praça em visita ao Salão do Livro. Percorrem as várias barracas. Como o louco equilibrista de sonhos e a mãe, na quietude própria das mães, portam seus malabares no palco da vida. Jovens e idosos, crianças e mulheres debruçam-se sobre livros, conversam, debatem sobre as novas tendências da literatura e constroem um novo mundo. Ao meu pensamento, grita o poeta na praça do povo: livros, mais livros e “manda o povo pensar”.

Bem, está na hora de colocar um ponto final na crônica que tentei fazer e que fala de um louco, da mãe, da criança, dos livros.




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